Caio Fernando Abreu
Descrição:
Caio Fernando Abreu foi um icônico autor brasileiro, celebrado por obras notáveis como "Morangos Mofados". Nascido no Rio Grande do Sul, sua trajetória literária é marcada por uma prosa arrebatadora que mergulha nas profundezas da alma humana, explorando temas como amor, solidão e identidade. Ao longo de sua carreira, Caio Fernando Abreu construiu uma base de leitores apaixonados, tornando-se uma figura influente na literatura contemporânea brasileira. Sua escrita visceral e emocional continua a tocar o coração de muitos leitores, mesmo após sua partida.
Texto produzido pelos alunos:
Aqueles Dois, de Caio Fernando Abreu
Foi muito significativo levar o conto Aqueles Dois, de Caio Fernando Abreu para discussão em ambiente escolar, percebendo que boa parte da problematização do texto é baseada nas reflexões acerca dos papéis a serem desempenhados pelos sujeitos, construídos socialmente, nos espaços públicos. Por que o envolvimento entre Raul e Saul poderia ser considerado uma afronta aos “valores” da repartição pública onde trabalham? Qual é o limite imposto pelo bom senso conservador entre amizade de pessoas do mesmo sexo e relação homoafetiva?
A discussão do conto, que é parte da coletânea Morangos Mofados, publicado em 1982, inaugurou o projeto Arco Literário no Campus Campo Grande do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul. Compartilhando uma experiência pessoal, como membro do projeto, durante a divulgação presencial do encontro, pude sentir na pele a importância de abordar temas como esse em contexto acadêmico, pois não esperava ouvir/ver risadas e caras tortas para a frase: "projeto de Literatura LGBTQIAP+ Nacional”, vindas de estudantes de uma instituição como a nossa.
Um recurso interessante que utilizamos na discussão foi o local que adotamos para conversar. Fazer uso da biblioteca do campus como espaço para esses encontros foi um passo essencial para evidenciar a bandeira da diversidade e do respeito. Se estamos pensando em desmistificar a ideia de que espaços públicos não são ambientes de debate ou manifestação sobre temáticas como as que envolvem os sujeitos LGBTQIAP+ (Raul e Saul nunca manifestaram atos considerados homosexuais na repartição, mas isso não impediu que fossem demitidos apenas pela possibilidade de um dia virem a fazê-lo), ocupar duas vezes ao mês um local considerado tão sério e “respeitável” como uma biblioteca auxilia na normalização e na quebra de paradigmas associados à comunidade.
Nessa roda de conversa inaugural, percebi que a maior motivação dos estudantes em falar sobre a literatura que trata de sujeitos LGBTQIAP+ na escola é ter um espaço para dividir suas experiências pessoais, em paralelo com uma uma história que, mesmo fictícia, espelha parte das suas vivências reais. Ao final do encontro, como esperado, a conversa tendeu a fugir um pouco da literatura e ir para histórias de cada participante que se sentiu confortável em compartilhar um relato ligado aos temas da obra.
Saber que estamos criando esse espaço acolhedor para tantos Rauls e Sauls me motiva a estar envolvido em ações que ajudam a questionar esses “valores” presentes em tantas repartições, espaços públicos e privados. E que bom que temos a oportunidade de fazer isso aqui na nossa comunidade escolar.
Produzido por: Nicolas dos Santos Sá
Obra trabalhada: Aqueles Dois (Morangos Mofados)
A Perdura da LGBTFobia na sociedade binária vista a partir do conto Aqueles Dois, de Caio Fernando Abreu
Aqueles Dois, conto de Caio Fernando Abreu que compõe a coletânea "Morangos Mofados" (1982), deixa uma marca muito importante na literatura nacional por sua escrita característica: fluida, carregada de personagens e situações que tornam quase que natural, automático, o processo de identificação própria com a obra e a prática da alteridade. A imersão na leitura é alcançada pelo uso de recursos como a intertextualidade com pinturas melancólicas ou músicas. Tú Me Acostumbraste, por exemplo, é a melodia chorosa que acompanha o enredo. No mais, dentre os temas abordados, estão a aversão ou medo do diferente, a homofobia, e sobretudo: os papéis sociais dentro do binarismo.
Penso que o primeiro elemento a ser analisado no conto deva ser o seu título. “Aqueles”, pronome demonstrativo cuidadosamente escolhido pelo autor, traz consigo o sentimento de distância de quem fala, o que é uma marca importante ambientação da obra. O local de trabalho de Raul e Saul, personagens centrais da narrativa, é ocupado por pessoas que julgam anonimamente e a distância tudo aquilo que se difere do “normal”, a partir de valores próprios de uma “moral”, ou seja, condenam o que foge do binário - homem-mulher.
Como essa obra se mantém atual?
O livro, publicado no período de vigência da ditadura militar – contexto de opressão e violência validadas pela lei contra seres "desviantes" – trata de abusos que infelizmente não se extinguiram com o fim do governo extremista, pelo contrário, são cotidianos, como o caso recente (2023) da professora de um colégio católico americano Maggie Barton, demitida por ter uma foto em que beijava sua namorada divulgada nas redes sociais.
A importância de ler e discutir Caio, em minha concepção, é consolidada quando fora da ficção, do contexto da ditadura militar, "Aqueles dois" traz uma narrativa que transcende o papel e o tempo. As histórias de Raul, Saul e Maggie, e de muitos outros, mostram os reflexos do apego à moral que exclui e a justificativa da agressão a corpos LGBTQIAP + baseada em "valores" que a permitam.
Produzido por: Thales Partel Balduino Oliveira
Obra trabalhada: Aqueles Dois (Morangos Mofados)